Parceria certa nas suas realizações

Leasing tem todas as características para a incidência de ISS

O embate jurídico já existe de longa data, com precedentes no Superior Tribunal de Justiça, com decisão proferida em 04/02/1991.

Fonte: Consultor Jurídico

Fabio Rinaldi Manzano

Na tarde do último dia 4 de fevereiro teve início, no Supremo Tribunal Federal, o julgamento sobre a incidência do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) nas operações de arrendamento mercantil (leasing).

O assuntou ganhou a pauta do STF com dois Recursos Extraordinários (RE 547.245 e 592.905) que discutem o caso. Um dos recursos foi proposto pelo município catarinense de Itajaí, para cobrar ISS sobre veículos financiados pelo Banco Fiat. O outro processo é do HSBC contra a cobrança do ISS pela prefeitura de Caçador, também em Santa Catarina.

O embate jurídico já existe de longa data, com precedentes no Superior Tribunal de Justiça, com decisão proferida em 04/02/1991. Naquela ocasião e em processos subsequentes, o STJ entendia que “o ISS incide na operação de arrendamento mercantil de coisas móveis” — Súmula 138 de 16/05/1995.

No STJ, as decisões proferidas se deram em sede de Recurso Especial, recurso de competência exclusiva daquele tribunal, sendo cabível em causas decididas em única ou última instância pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a disputa judicial:

a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência;

b) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face de lei federal;

c) der à lei federal interpretação divergente da que lhe tenha atribuído outro tribunal.

Ou seja, no STJ, discutiu-se e concluiu-se pela possibilidade da cobrança ISSQN nas operações de arrendamento mercantil face ao ordenamento jurídico infra-constitucional.

Agora, no STF, discute-se a constitucionalidade da cobrança através do Recurso Extraordinário, recurso este de competência exclusiva do Supremo Tribunal Federal, de cabimento restrito às causas decididas em única ou última instância, quando o julgamento anterior:

a) contrariar dispositivo da Constituição Federal;

b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;

c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face da Constituição.

Ou seja, como se não bastasse toda a discussão superada sobre a legalidade da cobrança face ao ordenamento jurídico infra-constitucional, agora o STF discute a incidência do referido imposto face à Constituição Federal, suas determinações de competências e princípios. A máxima do respeito ao contraditório, à ampla defesa e garantia ao duplo (ou “triplo”) grau de jurisdição.

No caso concreto sobre a incidência do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza nas relações de arrendamento mercantil, nos deparamos com a seguinte questão exponencialmente relevante: qual a natureza jurídica da atividade desempenhada?

Quanto à natureza jurídica da operação de arrendamento mercantil — operação financeira, prestação de serviços financeiros ou locação de bens móveis. Ricas são as caracterizações com as quais nos deparamos.

O Professor Kiyoshi Harada[1] sustenta que o leasing se caracteriza por:

(...) um contrato típico formado com elementos retirados de outros contratos tradicionais como os de locação de bens móveis, de compra e venda a prazo, de mútuo etc. (...) Esse contrato envolve, necessariamente, uma operação de financiamento para aquisição do bem pela arrendadora, bem como a opção de compra pelo arrendatário, ao final do prazo contratual, pelo "valor residual".

Arnoldo Waldo[2] elucida-nos como se deu a introdução do contrato de leasing no Brasil:

(...) desejando utilizar determinado equipamento, ou um certo imóvel, consegue que uma instituição financeira adquira o referido bem, alugando-o ao interessado por prazo certo, admitindo-se que, terminado o prazo locativo, o locatário possa optar entre a devolução do bem, a renovação da locação, ou a compra pelo preço residual fixado no momento inicial do contrato.

Quanto às origens do contrato de leasing, não há dúvida de que, ao ser introduzido tal modelo no Brasil, houve profundas mudanças e adaptações para sua utilização nas relações cotidianas das pessoas.

Na concepção pura do arrendamento mercantil mais habitualmente utilizado por grandes empresas, o leasing funciona da seguinte forma: com objetivo de aparelhar seu arranjo produtivo, o interessado em um bem, seja ele móvel ou não, escolhe aquele que melhor atende suas necessidades e procura uma empresa especializada para que esta o adquira e, posteriormente, o alugue por um valor relativamente baixo se comparado ao valor patrimonial do bem. Geralmente, tais empresas de leasing são quem arcam com os custos de manutenção e conservação dos bens, valor este já incluso nas mensalidades. Nesse caso, o patrimônio utilizado pela tomadora das atividades de leasing pertence à empresa que presta o leasing que é quem tem interesse em mantê-lo e conservá-lo.

Ao final do contrato de “aluguel”, a empresa que utilizou o bem tem a possibilidade de comprá-lo por um valor chamado “residual”, o qual consiste em um valor suplementar àquele pago a título de aluguel e inferior ao valor de mercado do bem. Referido valor é fruto da ponderação sobre o tempo de uso do bem arrendado, o valor já cobrado a título de aluguel e serviços de manutenção e conservação e ainda da depreciação do patrimônio ao longo da utilização “empresarial”.

A vantagem desse procedimento seria que, por exemplo, considerando o arrendamento mercantil de um automóvel para uso de uma determinada empresa em suas atividades empresariais, ao final do contrato de arrendamento, a empresa teria a opção de transmitir a possibilidade de aquisição do bem pelo valor residual ao funcionário que o utilizou. A empresa contratante do leasing ganharia pelo cuidado na utilização do bem ao longo do arrendamento pelo funcionário e na contabilização da operação como uma despesa (ao contrário de um financiamento em que é contabilizado como aumento do patrimônio), o funcionário ganharia patrimonialmente (se compararmos o valor de mercado do bem com o valor residual) e a empresa que presta os “serviços” de arrendamento dos bens ganharia em todo processo de aluguel e nos serviços de manutenção e conservação.

Tal procedimento exemplificado acima não é o que ocorre nas relações domésticas, por exemplo, realizadas aqui no Brasil.

Ao adquirirmos um carro diretamente da concessionária optando pelo leasing, em nenhum momento contamos com a idéia de aluguel. Pretendemos, na verdade, adquirir o bem e utiliza-lo única e exclusivamente para fins próprios. O artifício utilizado no qual a propriedade do bem fica com a financeira que realiza o arrendamento é mera adaptação do contrato às regras do direito civil brasileiro para que, em caso de inadimplemento, se tenha efetividade na reversão da posse e utilização do bem. Nesses casos (semelhantes àqueles que estão em discussão no STF), não observamos nenhum tipo de “valor residual” ou mesmo opção de compra ao final do arrendamento. Caracteriza-se tipicamente como compra e venda parcelada através de serviços financeiros intermediários que possibilitam tal aquisição. A questão da propriedade do bem ser da instituição financeira é mera condição para a realização do contrato de serviços financeiros prestados entre o comprador do bem e a instituição financeira a qual o financia.

Por todo o exposto, concluímos que o leasing ou arrendamento mercantil, da maneira como está popularizado no Brasil e o qual compõe o cerne da discussão no STF, constitui um serviço intermediário prestado por empresas financeiras cujo intuito é o de possibilitar uma compra e venda de bens patrimonialmente significativos através de parcelas mensais acrescidas de juros e de um contrato específico com mecanismos civis para a efetivação do adimplemento contratual em casos de não pagamento.

Questão relevante é salientar que, como é um dos papéis da Lei Complementar Federal (LC 116/2003) regulamentar e delimitar competência sobre as exações tributárias no Brasil quando se estabelece que os serviços de leasing ou arrendamento mercantil são fatos geradores do ISSQN, não há que se cogitar sobre a incidência de, por exemplo, IOF.

Como se não bastassem os argumentos técnico-doutrinários para a defesa da cobrança do ISS pelos municípios brasileiros, devemos dimensionar a relevância de tais montantes para as municipalidades brasileiras.

Logo após a edição da Lei Complementar 116/03 a qual reafirma a cobrança do ISS sobre o leasing, o município de Limeira-SP engajou-se inicialmente na fiscalização dos contratos de arrendamento de automóveis. Foram notificadas as concessionárias do município para que disponibilizassem os contratos de leasing realizados durante os anos de 2002 a 2006 e, com base nessas informações, foram lançados mais de R$10 milhões a título de ISS e acréscimos legais, valor este que correspondia, à época, aproximadamente 33% da arrecadação total com ISS anual do município.

Por todos os argumentos apresentados, derradeiramente se faz necessária a constatação de que o leasing ou arrendamento mercantil, além de típico e lícito serviço prestado por um intermediário em um contrato de compra e venda, conta com todos os requisitos legais para a efetivação da cobrança do ISS, outrossim, constitui parcela essencial das receitas com o ISS pelas municipalidades.

[1] Harada, K. Dicionário de direito público. São Paulo: MP Editora, 2ª ed., 2005, p. 247.

[2] A introdução do leasing no Brasil, in RT415/10.